A Educação na Idade Média

 

A Educação na Idade Média

A busca da Sabedoria como caminho para a Felicidade: al-Farabi e Ramon Llull

Ricardo da COSTA

InDimensões - Revista de História da UFES 15.
Dossiê História, Educação e Cidadania
.
Vitória: EDUFES, 2003, p. 99-115

(ISSN 1517-2120).

 

Resumo: O artigo analisa o tema da educação medieval sob o prisma de seus contemporâneos. Foram selecionados dois filósofos – al-Farabi e Ramon Llull – que, em seus escritos, trataram da Educação como um instrumento básico do homem para se chegar ao conhecimento, e daí, à felicidade, bem supremo a ser alcançado.


Abstract: This article analyses the theme of medieval education by the view of his contemporaries. We have selected two philosophers – al-Farabi and Ramon Llull – witch in their writings dealt with Education as a human basic instrument to achieve the knowledgement, and from here to happiness, supreme good to be achieve.

Palavras-chave: Educação medieval – Sabedoria – Felicidade.

Keywords: Medieval Education – Wisdom – Happiness.

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Um grupo de discípulos estuda uma lição com seu mestre, que lê (repare nos olhos de todos: tanto os do professor quanto os dos estudantes fixam atentamente os livros abertos). Iluminura do século XIII (Bibliothèque Sainte-Geneviève, Paris, MS 2200, folio 58).

Os medievais refletiram muito a respeito da Felicidade, do Bem, do Belo, da Verdade, enfim, todas as categorias supremas pelas quais a vida humana aspira. Na Idade Média, a Educação era vista como um instrumento para se alcançar a Sabedoria, que conseqüentemente, levaria o homem à Felicidade, um bem desejado por si mesmo e mais perfeito que todos os outros bens (al-Farabi, 2002: 43-44).

Nossa proposta nesse artigo é demonstrar e compreender como os medievais pensaram a Educação: como o estudo adequado, isto é com disciplina, método e, principalmente, amor à sabedoria, levaria os jovens estudantes à Sapiência. Para isso, selecionamos dois filósofos medievais: al-Farabi (c. 870-950) e Ramon Llull (1232-1316). Dois homens separados no tempo, por suas religiões, por suas culturas, mas unidos pela cosmovisão e pedagogia medievais. Portanto, dois intelectuais no sentido pleno e perfeito da palavra - e não no sentido gramsciano, conceito inteiramente anacrônico para o período medieval e equivocadamente desenvolvido por Jacques Le Goff em seu Intelectuais na Idade Média (De Libera, 1999).

Esses dois medievais personificam maravilhosamente um tempo que buscou a ciência como um fim nobre em si, e não visando um objetivo específico que, no fim das contas – como vimos ao longo da História – muitas vezes passou a ser mais importante que o próprio ato de conhecer. Pelo contrário, na Idade Média os estudantes eram orientados a considerar importante todo o conhecimento científico, não terem vergonha de aprender com qualquer um e não desprezarem os outros depois de terem alcançado o saber. Assim, trilharei um caminho de amor e bondade para tentar compreender as categorias mentais dos medievais a respeito da Educação.

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Detalhe de um sarcófago da primeira metade do século II (Paris, Louvre). Um menino declama um dever de Retórica diante de seu pai (não do mestre). Tanto os seus dois dedos da mão direita quanto sua postura corporal (inclusive a perna direita levemente inclinada para trás) compõem a eloqüência; o papiro na mão esquerda é o símbolo de sua cultura, de sua dignidade social. O estudo na Antigüidade existia para adornar o espírito e instruir o estudante nas belas letras. Em Roma não havia utilitarismo na Educação. Ver VEYNE, Paul. “O Império Romano”. In: VEYNE, Paul (org.). História da Vida Privada I. Do Império Romano ao Ano Mil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 33.

Na Antigüidade Ocidental a Educação era entendida como uma transmissão de técnicas adquiridas. O ato pedagógico tinha, sobretudo, a finalidade de possibilitar o aperfeiçoamento dessas técnicas através da iniciativa dos indivíduos (Luzuriaga, 1978: 57). A Pedagogia não tinha a dignidade de ciência autônoma, sendo considerada parte da Ética ou da Política, e, por isso, elaborada unicamente em vista do fim que estas propunham ao homem. Os expedientes ou os meios pedagógicos só eram estudados em relação à primeira educação ministrada na infância: ler, escrever e contar (Manacorda, 1989: 85).

A reflexão pedagógica era dividida em dois ramos isolados: um de natureza puramente filosófica, elaborado por conceitos éticos, e outro de natureza empírica ou prática, visando preparar a criança para a vida. O ato de educar era baseado no ser, utilizado para a formação e amadurecimento do homem e a busca de sua consecução completa ou perfeita. Ele era uma passagem gradual da potência ao ato, da infância até a fase adulta (Abbagnano, 2000: 306).

No entanto, o status da criança no mundo antigo era praticamente nulo. Sua existência dependia do poder do pai; poderia ser rejeitada se fosse menina ou se nascesse com algum problema físico. Seu destino, caso sobrevivesse, era abastecer os prostíbulos de Roma e o sistema escravista (De Cassagne). Até o final da Antigüidade, boa parte das crianças pobres eram abandonadas ou vendidas; as ricas enjeitadas – por causa de disputas de herança – eram entregues à própria sorte (Roussel, s/d: 363). Seria necessário a revolução pedagógica levada a cabo pelo cristianismo para que a criança passasse a ser valorizada como ser e recebesse uma orientação educacional direcionada e de cunho ético-integral (Costa, 2002: 17-18).

A base do currículo educacional medieval foi dada pela obra O casamento da Filologia e Mercúrio, do cartaginês Marciano Capela, escrita por volta de 410-427. Nela, o autor, influenciado pela enciclopédia de Varrão (Sobre as Nove Disciplinas), tratou das Sete Artes Liberais, damas de honra daquele casamento: 1) Gramática, 2) Retórica, 3) Dialética, 4) Aritmética, 5) Geometria, 6) Astronomia e 7) Harmonia. Marciano Capela deixou de lado a Medicina e a Arquitetura, por tratarem de coisas terrestres que “...não têm nada em comum com o céu.” (citado em Nunes, 1979: 75).

Platão já havia mostrado a distinção entre o que se chamou o Trivium (Gramática, Retórica e Dialética) e o Quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música). Ao que tudo indica, Boécio (480-524) foi o primeiro a chamar de Quadrivium as quatro disciplinas aqui relacionadas; o termo Trivium só foi utilizado mais tarde (Monroe, 1977: 113-114; Nunes, 1979: 78). As Artes Liberais eram denominadasartes pois implicavam não somente o conhecimento, mas também uma produção que decorria imediatamente da razão, como várias outras – por exemplo, o Discurso e a Retórica, os Números e a Aritmética), as Melodias e a Música, etc. (Le Goff, 1993: 57).

Assim, ao lado das sete Artes Liberais, desenvolveu-se durante esse primeiro tempo medieval um novo o conceito de Educação. Os pensadores de então acreditavam que as palavras (a linguagem) possuíam em si a possibilidade de resgatar a experiência humana esquecida (Lauand, 1998: 106); o próprio conceito significava literalmente a idéia: educação, educe, “fazer sair”, “extrair”. Por exemplo, na Península Ibérica usava-se o verbo nutrir: o mestre era o nutritor e o estudante o nutritus. Aqueles homens entendiam a educação como um ato saboroso para o intelecto – daí o significado etimológico de sabor para a palavra saber (BRAVO, 2000: 304).

Para os educadores de então, o conhecimento já existia inato no estudante. Restava saber de que modo o aluno seria conduzido da ignorância ao saber. Cabia ao professor acender uma centelha na criança, formá-la, não asfixiá-la (Price, 1996: 88). O estudo era utilizado principalmente para o desenvolvimento da vida do espírito, para a elevação espiritual. Hoje isto se perdeu de uma tal forma que uma das características marcantes da pedagogia moderna consiste no fato de ela ter conseguido dissociar, cada vez mais profundamente ao longo dos últimos 700 anos, o estudo da busca de Deus, de valores éticos e morais, enfim, das virtudes, causa primeira da profunda crise ética pela qual passamos nos dias de hoje.

Até o aparecimento da literatura vernácula (séculos XI e XII), os monges cristãos foram os responsáveis pela manutenção e produção de praticamente todos os textos escritos. Eles preservaram a cultura antiga. Graças a seu meticuloso trabalho realizado nos mosteiros, os monges copiaram os escritos antigos, salvando-os assim das invasões bárbaras da Alta Idade Média (Nunes, 1979: 80-83). Além disso, eles lideraram uma revolução cultural sem precedentes: inventaram nossa caligrafia (minúscula carolíngia), o livro (folio) e nossa forma de leitura (em silêncio), expandindo ao máximo a capacidade cerebral de reflexão profunda (Parkes, 1998: 103-122; Hamesse, 1998: 123-146).

Feitas essas considerações preliminares sobre o conceito de educação e a importância do período medieval para a preservação do conhecimento antigo e suas importantes contribuições para a linguagem, a divisão das artes e as novas formas de se pensar o conhecimento, passamos agora aos filósofos escolhidos para mostrar ao leitor como o saber era entendido, e de que forma o estudante poderia atingir a felicidade em suas buscas íntimas com seu objeto de estudo.

al-Farabi

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No mapa, ao centro, o Usbequistão, com destaque para o rio Syr Darià (al-Farabi nasceu em suas margens, por volta de 870).

Um dos grandes do pensamento muçulmano, al-Farabi viveu entre 870 e 950. Nascido nas terras da Transoxiana (região da Ásia Central, atual Usbequistão), ali provavelmente começou sua formação intelectual com cristãos nestorianos – o nestorianismo rejeitou a expressão “mãe de Deus” (theotokos) para designar Maria, recomendando “mãe do Cristo” (Christotokos); seus adeptos fundarama igreja sírio-nestoriana (ou caldeu-nestoriana) (Fröhlich, 1987: 39).

Além de escrever comentários sobre textos aristotélicos, al-Farabi produziu notáveis e influentes obras, a maioria delas dedicadas ao estudo das condições sociais e individuais em que o homem pode alcançar a felicidade (Ramón Guerrero, 2002: 21).

Em seu texto O caminho da Felicidade (Kitab al-tanbih 'alà sabil al-sa'ada), al-Farabi quer ensinar ao leitor a melhor forma de se atingir a plenitude do belo: através do estudo, da reflexão. Existem, diz ele, três caminhos para a felicidade: a ação (o ato de ouvir, o de olhar, etc.), as afeições da alma (o apetite, o prazer, o gozo, a ira, o medo, o desejo, etc.) e o discernimento por meio da mente.

Para que esses caminhos sejam percorridos, é necessário que o viajante tenha plena liberdade de escolha, o que ele chama de livre-eleição (e o cristianismo chamou livre-arbítrio). Além disso, devemos buscar, saber e praticar as virtudes, faculdades que são um hábito da alma. Por esse motivo, o homem tem a mesma capacidade de fazer o feio que fazer o belo (curiosamente, há pouco tempo, questionado em uma entrevista sobre o atentado islâmico ao World Trade Center, o historiador Eric Hobsbawn afirmou o mesmo).

De qualquer modo, devemos buscar os hábitos belos. Segundo al-Farabi são:

1) Valentia
2) Generosidade
3) Moderação
4) Perspicácia
5) Sinceridade e
6) Afabilidade (al-Farabi, 2002: 48).

Os hábitos, para serem hábitos, devem ser praticados. Por exemplo,

A arte de escrever só se consegue quando o homem pratica de maneira usual a ação (...) A excelência da ação de escrever procede do homem somente por destreza na escrita, e a destreza para escrever só se adquire quando antes se acostuma o homem a uma excelente ação de escrever (...) Esta excelente ação de escrever é possível ao homem (..) por causa da faculdade que possui por natureza.
(al-Farabi, 2002: 52)

Assim, caro leitor, se deseja ser hábil em uma arte, pratique-a! Se quer ser inteligente, estude, se quer escrever, escreva, e assim por diante. Em outras palavras: aprenda fazendo, conselho simples e óbvio conhecido pelos medievais, hoje abandonado por muitas pedagogias ditas modernas.

Por oposição, os hábitos morais feios são a enfermidade da alma, e o homem livre é aquele que consegue discernir o que é dado pela reflexão. O homem é uma besta quando não reflete e também não consegue decidir nada (al-Farabi, 2002: 62). Caro leitor, não pense que estou colocando palavras em nosso autor. Veja por si mesmo:

Alguns homens têm excelente reflexão e poderosa decisão para fazer aquilo que a reflexão lhes impõe; são aqueles que podemos merecidamente chamar de homens livres. Outros carecem de ambas as coisas e são os que podemos merecidamente chamar homens bestiais e servos.

Outros carecem somente de poderosa decisão, mas têm excelente reflexão: são aqueles que podemos chamar servos por natureza. Isso acontece a alguns que se arrogam a ciência ou se consideram filósofos, e então estão em uma categoria abaixo do primeiro na servidão, e aquela ciência que se arrogam se converte em ignomínia e desonra para eles, pois o que adquirem é algo inútil, pois não obtêm proveito.

Por fim, outros carecem de excelente reflexão embora tenham poderosa decisão; para quem é assim, outros refletem por ele; ou bem se deixará levar por quem reflete por ele, ou não se deixará levar. Caso não se deixe levar, também será uma besta, mas se se deixar levar, terá êxito em muitas de suas ações e, por causa disso, poderá escapar da servidão e participar com os livres.
(al-Farabi, 2002: 62-63 [os grifos são meus])

Essa bela passagem mostra um grande ensinamento que distingue os pensadores medievais dos atuais pedagogos: a capacidade de julgar é essencial ao sábio – e, lamentavelmente, quantas e quantas vezes ouvi de professores – e depois colegas – que um bom historiador não pode julgar, não tem esse direito...

Mais ainda: o que distingue o homem livre da besta humana é sua capacidade reflexiva! Nessa verdadeira classificação humana em quatro tipos, al-Farabi eleva as virtudes intelectuais ao grau do excelente discernimento. Caso queiram aplicar a filosofia alfarabiana à História ensinada em nossos dias, posso resumi-la em uma frase: o bom, o verdadeiro historiador apreende o conteúdo histórico, reflete a seu respeito e por fim emite um julgamento de valor. E somente esse último momento intelectual é considerado por al-Farabi digno e capaz de distinguir o homem livre da besta...

A finalidade desse discernimento intelectual em al-Farabi sempre será a busca do belo, daquilo que causa prazer e fruição ao espírito. Os fins também são três, como os caminhos: o agradável, o útil e o belo, pois “...todas as artes buscam o belo ou o útil.” (al-Farabi, 2002: 67)

Por fim, al-Farabi afirma que as artes necessárias para se trilhar o caminho da felicidade também são três: Filosofia, Lógica e Gramática. A Filosofia se divide em Teórica (Matemática, Física e Metafísica) e Prática (Ética e Filosofia Política, ou “da cidade”). A Felicidade Suprema é alcançar a Filosofia:

Como somente obtemos a felicidade quando estamos de posse das coisas belas, e como só possuímos as coisas belas por meio da arte da filosofia, necessariamente a filosofia é aquela pela qual alcançamos a felicidade. Esta é a que adquirimos por meio da excelência do discernimento.
(al-Farabi, 2002: 68)

Para se alcançar o discernimento é necessário que o estudante aprenda a Lógica, arte que ensina a discernir o verdadeiro do falso. Por sua vez, para ser lógico, o aluno deve aprender Gramática, “arte que trata das classes das palavras significantes”; “ciência do falar correto e a capacidade de falar corretamente de acordo com o costume dos que falam uma determinada língua” (al-Farabi, 2002: 74 e 71). O caminho para a felicidade passa, assim, pela Educação: Gramática, Lógica e Filosofia. Ser feliz é aprender a ler, escrever, raciocinar e discernir os bons hábitos dos maus, pois o bem supremo (= a beleza) é trilhar e chegar ao equilíbrio da razão. Só o cultivo da virtude traz a felicidade ao homem (Ramón Guerrero, 2002: 38).

al-Farabi foi um dos responsáveis pelas teorias mais originais entre os árabes. De natureza universalista, pois abrange desde os filósofos antigos até os cristãos e ainda citando os pensadores que imediatamente o antecederam (ATTIE FILHO, 2002: 198), al-Farabi representa a síntese muçulmana da busca do conhecimento e o entendimento da harmonia do universo para compreender as questões do homem e do homem no mundo. A busca desses primeiros princípios era possível pela recordação do conhecimento inato no homem. Como disse no início desse texto, ou melhor, como bem disse Jean Lauand, os medievais entendiam a educação como um resgate do conhecimento da experiência humana esquecida (Lauand, 1998).

Para isso, deveria-se começar pela Gramática, para “saber as classes das palavras que significam as classes das noções inteligíveis” (al-Farabi, 2002: 73-74). Como isso hoje está distante da atual pedagogia: hoje há muitos que defendem a opacidade das palavras, o vazio e a insignificância das formas; buscar a beleza, a elegância e a harmonia verbal e o ritmo são coisas frívolas para os pós-modernos. Nada mais distante da filosofia dos medievais. al-Farabi – e Ramon Llull, como veremos adiante – buscaram a felicidade através da forma bela, da educação. Passemos então a nosso outro filósofo, dando um salto de trezentos anos, mas ainda unidos nessa perspectiva pedagógica integracionista e total. Isso, naturalmente, sem perder a perspectiva religiosa. No final de seu tratado, al-Farabi encerra: “Louvado seja somente Deus. Ele me basta.” (al-Farabi, 2002: 75).

Ramon Llull (1232-1316)

 

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Ramon Llull conversa a respeito de seus livros com seu discípulo Thomas Le Myésier (detalhe da miniatura 11 do Breviculum - Breviculum ex artibus Raimundi Lulli electum Handschrift der Badischen Landesbibliothek Karlsruhe aus der Klosterbibliothek Sankt Peter Signatur: St. Peter perg. 92).

Ramon Llull é um dos personagens medievais que está sendo cada vez mais redescoberto, tanto por filólogos, como historiadores e filósofos. Originário de Palma de Maiorca, Llull nasceu em 1232, isto é, pouco depois que sua família se estabeleceu na ilha reconquistada por Jaime I. Sua personalidade multifacetada e que alternava momentos de euforia com estados de depressão profunda está bastante transparente nos temas e na perspectiva adotada em suas obras (quase trezentas). Por exemplo, vejam sua tristeza inconsolável neste belo trecho de seu poema Desconsolo (Desconhort):

Quando cresci e senti a vaidade do mundo,
comecei a fazer mal e entrei em pecado,
esquecendo o Deus glorioso e seguindo o que é carnal. 15
Mas agradou a Jesus Cristo, por Sua grande piedade,
apresentar-se a mim cinco vezes crucificado,
para que O relembrasse e me enamorasse,
e fizesse que Ele fosse predicado
por todo o mundo, e que fosse dita a verdade 20
de Sua Trindade, e como encarnou.
Porque fui inspirado em tão grande vontade,
que nada amei mais do que Ele fosse honrado
e, então, comecei a servi-Lo de bom grado.

Quando me pus a considerar do mundo o seu estado, 25
quão poucos são os cristãos e como muitos Lhe descrêem,
então, em meu coração tive tal concepção
que fosse a prelados e a reis, igualmente,
e a religiosos, com tal ordenamento,
para que ocorresse a Passagem, e com tal pregação 30 
que com ferro e fogo, e verdadeira argumentação,
se desse à nossa fé tão grande exaltação
que os infiéis viessem à conversão.
E isso tenho tratado, verdadeiramente, há trinta anos,
mas não obtive nada, pelo que estou doente, 35
tanto, que choro freqüentemente, e estou em languidez.
(Ramon Llull. Desconsolo, II-III. Trad.: Tatyana Nunes Lemos e Ricardo da Costa)

Ramon Llull é um dos escritores mais prolíficos da Idade Média, talvez o maior polígrafo da História (FIDORA, 2003). Seus temas variam desde Botânica, Filosofia e Teologia até Música, Astronomia e Política. Da mesma forma, seu código ético, privilegiado em centenas de escritos moralizantes, deixa claro que sua pedagogia está baseada, como em al-Farabi, em uma ética e moral religiosas, onde a busca pelo conhecimento passa por sucessivos degraus. Em suma, educar é um ato de elevação espiritual.

Em sua autobiografia, a Vida Coetânea, Llull nos informa que não possuía saber suficiente, nem sequer Gramática, a não ser uma pequena parte; ele define a Gramática como a arte de

...falar e escrever retamente. Por isso, ela é eleita para ser linguagem comum às gentes, que pela distância das terras e da comunicação possuem linguagens variadas. 

Filho, se desejas aprender gramática convém saberes três coisas: construção, declinação e vocábulos.
(Ramon Llull. Doutrina para crianças, LXXIII, 2-3 [trad. Ricardo da Costa e Grupo III de Pesquisas Medievais da Ufes]).

Da formação básica de Ramon Llull pouco sabemos. O que se pode afirmar com relativa segurança é que ele aprendeu a falar corretamente graças a uma cultura não clerical notavelmente incrementada pela tradição dos relatos de cavalaria e, de forma mais próxima, pela cultura dos trovadores, pois, como nos diz em sua autobiografia, ele era afeito “na arte de trovar e compor canções e ditados das loucuras deste mundo” (Ramon Llull, Vida Coetânia, I. 2).

Sua conversão ocorreu por volta de 1265, quando tinha aproximadamente trinta anos de idade. Ela veio acompanhada de três desejos: 1) converter os “infiéis” ao catolicismo, 2) criar escolas onde se estudasse a língua dos infiéis e 3) preparar-se para o martírio. A partir de então dedicou-se a essa evangelização, que acreditava ser possível especialmente através do amor e do diálogo.

Nessa perspectiva apologética é que devemos tentar compreender sua pedagogia. O tema da educação luliana pode ser abordado especialmente através de um texto: a obra Doutrina para crianças. É uma das obras mais acessíveis de sua produção, podendo ser usada inclusive como introdução ao seu pensamento. Nela, o autor tenta colocar tudo que considerava importante para a formação religiosa, moral e prática de seu filho. A grande novidade da Doutrina para crianças é ser uma pequena enciclopédia pedagógica escrita em catalão, em uma época na qual o latim era a única língua de ensinamento. Trata-se, portanto, de um documento sobre o ensino primário do século XIII.

Llull explica carinhosamente a seu filho que ciência é “saber o que existe”, um dos sete dons dados ao homem pelo Espírito Santo (os outros são a Sabedoria, o Entendimento, o Conselho, a Fortaleza, a Piedade e o Temor). Ele considerava sua ciência espiritual uma graça que deveria ser cultivada e estar a serviço da fé, sendo muito mais nobre que aquela que as crianças aprendiam na escola com o professor, pois daria consciência aos pecadores dos pecados que cometiam e ensinaria as crianças a distinguir o bem do mal, ou melhor, a amar o bem e a ter ódio do mal. Apesar disso, aconselha seu filho a confiar na ciência que os mestres ensinam (Ramon Llull, Doutrina para crianças, XXXIV, 3).

Em sintonia com al-Farabi e os de seu tempo, a ciência e a pedagogia lulianas têm seu alicerce na consciência do bem e do mal. Por esse motivo, elas já foram definidas como uma educação ética(Carreras y Artau, 1939, vol. I: 610-612). Havia nessa pedagogia uma proposta intrínseca bem de acordo com sua época: o objetivo primeiro de sua educação era o amor a Deus, propósito que Llull definiu como Primeira Intenção:

Amável filho, a intenção é obra do entendimento e da vontade que se movem para dar o cumprimento da coisa desejada e entendida. E a intenção é um ato de um apetite natural que requer a perfeição que lhe convém naturalmente.

Filho, essa intenção da qual tens necessidade é dividida em duas maneiras, isto é, a primeira intenção e a segunda. A primeira é melhor e mais nobre que a segunda porque é mais útil e mais necessária; a primeira é o princípio da segunda, e a segunda é movida pela primeira (...)

Filho, a glória que terás no Paraíso, se nele entrares, será pela segunda intenção, e o conhecimento e o amor que tiveres de Deus serão pela primeira, pois melhor coisa é a intenção de conhecer e amar Deus que ter glória por conhecê-Lo e amá-Lo, pois Deus é mais inteligível e amável que tua glória.
(Ramon Llull. O Livro da Intenção, 1, 2, 8 [trad. Ricardo da Costa e Grupo III de Pesquisas Medievais da Ufes])

Llull aconselha ao filho que ame a ciência pela intenção que existe, e para que saiba “usá-la e obrá-la melhor e mais lealmente, contrastando-a muito ao demônio” (Ramon Llull. O Livro da Intenção V.19, 6). As crianças deveriam ser educadas desde muito cedo a amar, conhecer, honrar e servir a Deus. Essa consciência moral, passada com um carinho e afeto paternais, tinha como finalidade converter os infiéis, sobretudo muçulmanos e judeus (Bonner, 1986: 38). Não se pode perder nunca de vista essa perspectiva: seus textos tinham sempre esse propósito apologético.

Por sua vez, a aquisição do saber para Llull era uma qualidade apropriada que deveria estar direcionada à qualidade própria dos elementos, uma idéia já encontrada em uma enciclopédia árabe do século X (Ikhwan Al-Safa) (Lohr, 1991: 08). Qual era essa qualidade? Como Deus era pensado em termos ativos – a criação do mundo não fora uma ação de Deus? – cada elemento possuía uma natureza intrínseca e ativa de origem divina, isto é, que tinha uma relação direta com o sagrado.

Assim, a qualidade de cada elemento se relacionava com a de outro elemento. Por exemplo: o fogo é quente e seco, a água fria e úmida, a terra fria e seca e o ar quente e úmido; os medievais acreditavam que essas qualidades interagiam entre si: a umidade da água passava para o ar, que com seu calor interagia com o fogo; o fogo ressecava a terra, que por fim, resfriava a água (Costa, 2002). Veja como Llull transmite esse conhecimento a seu filho:

Amável filho, quatro são os elementos: fogo, ar, água e terra, e destes quatro é composto e unido o teu corpo e tudo o que comes e bebes, apalpas, cheiras e sentes. Tudo o que teus olhos vêem sob a lua pertence aos quatro elementos.

O fogo está sobre o ar, o ar está sobre a água, e a água está sobre a terra. O fogo e o ar são leves, a água e a terra são pesados. Por isso, o fogo e o ar se movem para cima e a água e a terra se movem para baixo.

Filho, a composição se faz de duas maneiras: uma é quando o fogo é seco pela terra, o ar é aquecido pelo fogo, a água é umedecida pelo ar e a terra é resfriada pela água. A outra maneira é quando todos os quatro elementos são unidos em um corpo elementado, como o meu, o teu ou os outros corpos onde estão unidos os quatro elementos.

Filho, através das quatro operações diversas, concordantes e contrárias ditas acima, os elementos se ligam e se ajustam em um corpo e se dividem em outro. E como cada elemento desejaria ser corpo simples por si mesmo, sabe quando pode ter sua simplicidade por si mesmo e em si mesmo sem ter paixão pelos outros elementos. Filho, por isso é significada a ressurreição e a glorificação do corpo ressuscitado.

Filho, as complexões descem dos quatro elementos: cólera, sangue, fleuma e melancolia. A cólera é quente e seca, e é do fogo; o sangue é quente e úmido, e é do ar; a fleuma é fria e úmida, e é da água; a melancolia é fria e seca, e é da terra.

Cada um desses elementos é julgado pelos médicos em quatro graus. Sabes por quê? Porque algumas coisas são mais fortes em complexões que em outras e, por isso, de acordo com os graus, são feitas concordâncias de uns elementos com outros, para sanar as doenças.
(Ramon Llull, Doutrina para crianças, XCIV)

As ciências da Natureza e da Medicina são afins: os quatro elementos (fogo, água, terra e ar), e os quatro humores do corpo (os temperamentos bilioso, sangüíneo, linfático e melancólico) deveriam ser levados em conta pelo médico, pois acreditava-se que a doença ocorria quando havia o destempero corporal e o fim da “virtude moderada”. Daí a necessidade imperativa da busca da virtude, pois virtude era harmonia – vimos que al-Farabi afirma que o caminho da felicidade passa necessariamente pela moderação.

Este é um ponto muito importante: todo o sistema educativo medieval era uma estrutura análoga à estrutura do universo. Senão vejamos: educar era acender uma centelha no estudante, isto é, estimular um fogo já existente dentro das crianças; essa centelha pueril deveria ser estimulada a buscar as virtudes através do hábito de fazer coisas boas, através do exemplo dado pelo mestre; o hábito da virtude levaria à moderação e, por sua vez, a moderação equilibraria os temperos do homem. Estes temperos, regulados de acordo com a posição dos astros, dos signos do Zodíaco e dos líquidos corporais, traria, junto com o estudo da filosofia, a felicidade, fim supremo desejado por todos.

Por esses motivos, Llull mostra ao filho a teia de dependências que o homem tinha com toda a estrutura do universo:

Filho, saibas que o corpo humano é composto dos quatro elementos (...) As compleições são quatro: cólera, sangue, fleuma e melancolia.
cólera é do fogo, o sangue do ar, a fleuma da água e a melancolia da terra. A cólera é quente pelo fogo e seca pela terra.
sangue é úmido pelo ar e quente pelo fogo.
fleuma é fria pela água e úmida pelo ar.
melancolia é seca pela terra e fria pela água.
Assim, como essas compleições são desordenadas, os médicos trabalham para que possam ordená-las, pois o homem fica doente por causa do desordenamento delas.
Filho, existe em cada homem as quatro compleições ditas acima, mas cada homem é sentenciado à uma compleição mais que à outra. Por isso, alguns homens são coléricos, outros sangüíneos, outros fleumáticos e outros melancólicos.
(Ramon Llull. Doutrina para crianças, LXXVII, 4-6)

A medicina esta ligada à filosofia, portanto! Esta teoria científica dos humores baseava-se em Hipócrates (c.460-380 a.C.), mas principalmente em Galeno de Pérgamo (c. 129-179 d.C.), médico e anatomista grego. Este fato mostra bem que, ao contrário do que algumas vezes se afirma, os medievais não só conheciam os textos da Antigüidade como davam até valor demais a eles, respeitando-os como autoridades (Price, 1996).

O mundo do ocidente medieval ainda recebeu o reforço da medicina árabe, que também compartilhava a teoria de Galeno (Micheau, 1985: 61-62). É por esse motivo que al-Farabi constantemente cita os médicos como exemplos úteis na busca da felicidade (al-Farabi, 2002: 54 e 58). O bem estar do corpo estava condicionado a esses quatro fluidos corporais. Os humores e as constelações determinavam os graus de calor e umidade do corpo e a proporção da masculinidade e feminilidade de cada pessoa. A felicidade educacional passava então pelo corpo são, mas sobretudo, pela mente sã – livre (al-Farabi) – e voltada para Deus (Ramon Llull).

Por fim, as artes mecânicas, também eram um caminho para se obter a felicidade terrena. Llull assim as define:

A arte mecânica é ciência lucrativa manual para dar sustentação à vida corporal. Filho, nessa ciência estão os mestres, isto é, os lavradores, os ferreiros, os marceneiros, os sapateiros, os alfaiates, os mercadores e os outros ofícios semelhantes a esses. 

Amável filho, nesta ciência os homens trabalham corporalmente para que possam viver, e uns mestres ajudam outros, e sem esses ofícios o mundo não seria ordenado, nem burgueses, nem cavaleiros, nem príncipes e nem prelados poderiam viver sem os homens que têm os ofícios citados acima.
(Ramon Llull. Doutrina para crianças, LXXIX, 1-2)

Llull aconselha a seu filho que aprenda algum desses ofícios, pois pode precisar deles em algum momento de sua vida (LXXIX, 6). Ele tenta seguir o “exemplo dos sarracenos”. Os muçulmanos oferecem muitos bons exemplos para Ramon Llull. Por exemplo, no Livro das Maravilhas (1288-1289) ele comenta

A principal razão pela qual os cristãos envelhecem e morrem antes dos sarracenos é porque o sarraceno usa mais coisas doces, que são quentes e úmidas, que o cristão. E a água que ele bebe multiplica a umidade, fazendo durar sua umidade radical. E o cristão que bebe vinho, que é quente e seco, multiplica seu calor e consome sua umidade.
(Ramon Llull. Félix ou O Livro das Maravilhas, Livro VIII, cap. 50)

Na fisiologia medieval, a umidade radical era o humor vital ao qual era atribuída a conservação da vida animal (Domínguez Ortiz, 1962: 50). Comparativamente, enquanto o regime alimentar cristão era baseado na trilogia clássica pão-carne-vinho, o dos muçulmanos era rico em frutas doces, vegetais e vitaminas, como, aliás, recomenda a medicina atual. Os cristãos medievais admitiam que muitos muçulmanos viviam até oitenta ou cem anos, enquanto os cristãos sofriam de gota e envelheciam prematuramente, vítimas de seus próprios excessos alimentares (Flandrin e Montanari, 1998).

Do mesmo modo, Llull afirma que por mais rico que seja um muçulmano, ele não deixa de ensinar a seu filho algum ofício manual para que “se lhe falharem as riquezas, que ele possa viver do seu trabalho” (Ramon Llull. Doutrina para crianças, LXXIX, 3). Por outro lado, ele aproveita a descrição das Artes Mecânicas para fazer uma dura crítica aos burgueses de seu tempo, preocupados apenas em enriquecer (não confundir os modernos conceitos de burguês burguesia – associados sempre à tradição marxista – com o conceito medieval de burguês, isto é, o morador do burgo, da cidade. Burguês é um dos piores ofícios que existem: o burguês gasta, não ganha, é ocioso. O burguês

...gasta e não ganha, tem filhos e cada um deles está ocioso e quer ser burguês, e a riqueza não é suficiente para todos (...) Nenhum homem vive tão pouco quanto o burguês. Sabes por quê? Porque come demais e suporta pouco o mal. E nenhum homem faz tanto dano aos seus amigos quanto um burguês pobre, e em ninguém está tão ultrajada a pobreza como está no burguês.

Nenhum homem tem tão pouco mérito de esmola, nem de fazer o bem quanto o burguês. Sabes por quê? Porque não suporta o mal que dá. E como o homem foi feito para trabalhar e suportar o mal, quem faz seu filho burguês atenta contra isso pelo qual o homem foi feito. Por isso, esse ofício é mais punido por Nosso Senhor Deus que qualquer outro.
(Ramon Llull. Doutrina para crianças, LXXIX, 9, 11-12)

Além dessa crítica ferina, Llull finaliza seu capítulo sobre as sete Artes Liberais com a metáfora da Roda da Fortuna, um tema muito querido pelos medievais e que mostra a intensa mobilidade social da sociedade medieval – ressalte-se que a sociedade medieval nunca foi um sistema de castas, tinha uma grande mobilidade e as noções de hierarquia e ordem tinham como objetivo possibilitar a fluidez das pessoas (Iogna-Prat, 2002: 313 e 318):

Filho, assim como a roda que se move gira, os homens que estão nos ofícios ditos acima se movem. Logo, aqueles que estão no mais baixo ofício em honramento desejam se elevar cada dia até chegarem à cabeça da roda soberana, na qual estão os burgueses. E como a roda está sempre a girar e a se inclinar para baixo, convém que o ofício de burguês também caia.
(Ramon Llull. Doutrina para crianças, LXXIX, 10)

Os burgueses sempre querem mais; eles são a antítese do mundo de Ramon Llull, daquele mundo medieval voltado para a educação ética, de moral cristã. Os burgueses do tempo de Llull são, segundo sua visão, os responsáveis pelo movimento da Roda da Fortuna (Costa e Zierer). Esta crítica ferina de Ramon Llull aos burgueses mostra seu intento educacional: as Artes existem para que o homem sempre lembre, desde muito cedo, através da Educação, que o saber destina-se a fins mais elevados que o lucro e a avareza. Muitas vezes as ciências são estudadas e praticadas por homens malvados porque “...o demônio se esforça para destruir a intenção pela qual elas existem” (Ramon Llull. O Livro da Intenção, V.19, 6). Para o maiorquino, a ciência e o estudo devem estar a serviço da contemplação divina.

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Os dois autores medievais escolhidos para este artigo ilustram maravilhosamente bem a forma e o conteúdo que a educação medieval tomou, após séculos de reflexões feitas a partir dos textos clássicos, que eles conheciam bem e que serviam de base para os estudos de diversas disciplinas. A Idade Média não só desenvolveu um sistema próprio de pensamento pedagógico, especialmente no campo da Ética, como também aprimorou a divisão dos saberes herdada da Antigüidade, elevando, pela primeira vez, as Artes Mecânicas - ainda hoje infelizmente consideradas como um “trabalho menor” – ao nível das artes liberais, isto é, intelectuais.

Ao buscar a fruição do belo, do bem, os intelectuais medievais elaboraram um conjunto harmonioso e integrado de educação voltada para a ascensão do espírito. O intelecto e a reflexão seriam, a partir de então, cumes desejáveis – e possíveis de serem alcançados por qualquer um, pois também foram lançadas as bases filosóficas do conceito de igualdade. Afinal, o cristianismo não pregou sempre que somos todos irmãos?

A sabedoria como caminho para a felicidade. Concluo esse texto retornando ao título e a al-Farabi: caminhar em uma trilha mental imaginária em busca da felicidade era, para os medievais, uma estrada de amor, esse sentimento tão difícil de ser definido e ainda mais difícil de ser escolhido atualmente como objeto de estudo histórico.

A felicidade é um fim que todo homem deseja e que todo aquele que se dirige a ela com seu esforço tende a ela tanto que é uma certa perfeição. Isso é algo que não necessita de palavras para ser explicado, pois é sumamente conhecido (...) a felicidade é um dos bens preferidos (al-Farabi, 2002: 43).

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Fontes Primárias

AL-FARABI. El camino de la felicidad (trad., introd. y notas de Rafael Ramón Guerrero). Madrid: Editorial Trotta, 2002.

RAMON LLULL. Vida Coetânia (1311) (trad. de Ricardo da Costa).

RAMON LLULL. Félix ou o Livro das Maravilhas (1288-1289).

RAMON LLULL. Doutrina para crianças (1274-1276).

RAMON LLULL. O Livro da Intenção (c. 1283).

RAMON LLULL. Desconsolo (c. 1295) (trad.: Tatyana Nunes Lemos e Ricardo da Costa).

 

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