Por Jonathan Thiago Legovski
Esta reflexão tem seu advento em impressões pessoais que foram formadas ao longo do último ano. Aqui, abordarei de modo breve a origem do sistema universitário, sem a pretensão de esgotar o tema, contrastando a sala de aula universitária do período medieval com a contemporânea.
1. BREVE HISTÓRIA DA ORIGEM DO SISTEMA UNIVERSITÁRIO
Habitualmente, pensar em “universidade” remete a ideia geral de um campus universitário, onde congregam-se as diversas especialidades científicas. É compreensível que exista esta noção devido a simples constatação visual. Contudo, cabe ressaltar que tal “caricatura” não é capaz de extenuar o conceito que está impresso na identidade histórica da instituição universitária.
Sendo uma criação da Idade Média, a Universitas Magistrorum et Scholarium, formada por mestres e estudantes com interesses culturais, era considerada pessoa singular, usufruindo de privilégios concedidos pelas autoridades civis e eclesiásticas. Charles Haskins, em sua obra “A ascensão das universidades”, retrata com esmero o crescimento orgânico da instituição universitária no Medievo, versando sobre a estrutura organizacional, a relação social dos professores e a vida acadêmica dos estudantes in illo tempore.
Ruy Afonso da Costa Nunes, historiador brasileiro, mostra-nos que ao contrário do mito popular no qual a Igreja é retratada como opressora interessada em não educar, fora precisamente sua vocação educacional que garantiu a existência de um sistema formativo num período conturbado onde reinos não conseguiam manter-se devido aos diversos fatores sociais predominantes.
A genesis e a evolução do sistema universitário, que atravessou séculos, poderá ser melhor compreendida com o estudo de obras historiográficas como a do próprio Ruy Afonso, que dedicou seus esforços em elaborar uma preciosa coleção sobre a história da educação; de C. Stephen Jaeger, escritor de “A inveja dos anjos - As escolas catedrais e os ideais sociais na Europa medieval (950–1200)”, e mesmo de Daniel-Rops (historiador frânces).
2. DOS DEBATES NA UNIVERSIDADE DA IDADE MÉDIA
A grosso modo, pode-se dizer que o método de ensino era baseado na leitura (lectio) e interpretação de textos, seguida de debates (disputatio) sobre os temas estudados. Em particular, vigorou também a divisão do conhecimento em sete artes, divididas no trivium (gramática, retórica e lógica) e no quadrivium (aritmética, geografia, astronomia e música).
Sobre os debates nas salas de aulas, Joaquim de Carvalho, historiador português, nos oferece um panorama onde mostra o processo de exposição de conteúdo e sua compreensão:
“A disputatio consistia no diálogo entre o mestre e os alunos acerca de determinada tese ou assunto; ao contrário da lectio, que implicava a atitude passiva, este despertava a atividade intelectual dos alunos. Tornou-se, por isso, o processo demonstrativo dos conhecimentos adquiridos e da respectiva compreensão e aplicação doutrinal, filiando-se a sua origem na quaestio, a qual, por seu turno, nasceu da expositio e da comentatio.
A discussão dos temas de disputatio fazia-se por pró, contra e solutio, isto é, pela exposição da argumentação afirmativa, da negativa, ou contrária, terminando pela resolução. As disputationes podiam ser: ordinárias, nas quais o mestre formulava o tema da disputatio (ou quaestio), assistia à respectiva discussão e terminava por formular a resolução; gerais ou de quodlibet, que versavam sobre temas livres (quaestiones de quodlibet), mais solenes, e que tinham lugar, em regra, pelo Natal e pela Páscoa; magistrais, entre dois mestres, sustentando cada um o seu modo de ver; e sophismata, que eram justas dialéticas para a demonstração ou refutação de paralogismos.”
A visão oferecida por Joaquim de Carvalho, explicita a exposição do contraditório sobre temas específicos nas aulas ministradas na universidade medieval (período que miseravelmente ficou conhecido como Idade das Trevas), poupando os alunos da parcialidade do mestre, concedendo o benefício da dúvida e instigando a capacidade intelectual dos discentes.
3. DOS DEBATES NA UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O sistema universitário passou por longa transformação desde sua origem até a atualidade. A estrutura organizacional e as concepções pedagógicas, influenciadas pelas escolas filosóficas, alteraram o cenário de ensino ao longo dos séculos.
Se outrora, os diferentes pontos argumentativos eram debatidos e esmiuçados ao ponto de não permitir a existência de grandes dúvidas acerca de determinada teoria, hoje, vigora em grande parte do debate acadêmico das ciências humanas, a ideia da infalibilidade de determinados autores e suas concepções conceituais e metodológicas.
O conteúdo programático das graduações na atual conjuntura, por vezes limita-se a expor uma visão unilateral sobre os aspectos fundamentais de sua ciência, isolando conceitos contrários e utilizando-se de rotulações espúrias para classificar aquilo que se diferencia do normatizado pela instituição.
Considerando o caráter didático, tal atitude não incentiva os alunos ao verdadeiro debate, mas antes, os induz a serem meros repetidores de chavões cunhados ao longo das últimas décadas, criando um ambiente hegemônico.
Se o caminho para o progresso científico, está em primeira análise, no benefício da dúvida sobre determinada matéria, a atitude esperada da instituição universitária, é exatamente o estímulo ao debate sincero e não apaixonado, desejoso de encontrar a verdade, mesmo que para isso, seja necessário desfazer-se de convicções pessoais.
É precisamente este incentivo (da busca pelo contraditório e do debate fundamentado no desejo de alcançar a verdade) que é inexistente hoje em parte de nossas universidades/faculdades, e que segundo indicam pesquisadores, era atitude viva no Medievo, período em os investimentos direcionados ao meio universitário não alcançavam as cifras que hoje são entregues para semelhante finalidade, mas que trouxe à tona, grandes pensadores e nomes de destaques nas diversas áreas das ciências daquele período – e que ainda hoje são alvos de estudos e indagações devido a imensa capacidade com a qual formularam suas teses nas respectivas áreas em que dedicavam seus esforços.
Foram homens e mulheres que amaram a busca pelo conhecimento e não se aprisionaram ao comodismo ou desistiram frente as dificuldades.
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