Por Rafael Falcón
A educação moderna perverteu-se a tal ponto que se tornou praticamente impossível confiar nas escolas comuns. Quem, em sã consciência, pode desejar seus filhos aprendendo que a identificação do sexo depende do “gênero” que cada um escolha; que jogar lixo na rua é mais ou menos tão grave quanto matar uma pessoa; que a família é um antro de preconceitos nazistas e o comunismo, uma utopia sonhada por floristas inocentes – e não, como é de fato, um ensaio ideológico do diabo?
A solução, evidentemente, está em fazer o que funcionou durante mais de mil anos, antes de as escolas se tornarem laboratórios para reformadores irresponsáveis: buscar os pedagogos certificados não por alguma pós-graduação, mas pela qualidade dos homens que seus ensinamentos produziram. Nomes como Platão, Cícero, Santo Agostinho, Dante Alighieri e tantos outros deveram sua educação a uma mesma tradição pedagógica, que chamamos “clássica”.
Para filiar-se à tradição clássica é preciso cumprir três exigências: uma diz respeito às disciplinas e autores obrigatórios ou recomendáveis, e pode chamar-se curricular; a segunda reside no método de ensino e na concepção geral de educação, e é, portanto, pedagógica; a terceira é de natureza espiritual, e se manifesta no amor entre quem ensina e quem aprende, regulado por um modelo de perfeição que, tradicionalmente, recebe o nome de sabedoria ou filosofia. Das três exigências, a última é a mais importante: com tempo e dedicação, ela conduz à posse das outras – as quais, por sua vez, se isoladas da terceira, vão ruindo e dando lugar a coisas muito diversas. Isso porque a exigência espiritual é, como sugere seu nome, a alma da educação clássica, sem a qual o corpo se desintegra e corrompe.
O requisito curricular se traduz, basicamente, na presença de três disciplinas, que juntas compõem o Trivium, fundamento da educação clássica. São elas a grammatica (formação linguística e literária), a rhetorica (preparação para o exercício civil da palavra) e a dialectica (treinamento nas sutilezas do pensamento discursivo). No entanto, o que os antigos consideravam a base parece muito avançado para nós, modernos. Não creio que a maioria de nossos doutores – não digo em Engenharia ou Medicina, mas em Letras – possua sequer o domínio da primeira disciplina do Trivium, aquela que, em tese, corresponde à sua especialidade. De fato, basta consultar algumas dissertações acadêmicas para assombrar-se com o pedantismo tosco de seu estilo – isso quando não encontramos nelas, entre macaquices sintáticas e papagaiadas técnicas, erros grosseiros de português.
Cumpre notar que as disciplinas do Trivium não consistem num “conteúdo” definido, pois são artes. Seu propósito não é fazer da criança um especialista; é desenvolver as faculdades básicas do espírito, dentre as quais a primeira é o domínio da interpretação de textos e da expressão linguística, sem o qual nada mais é possível. O ensino tradicional do latim, que resistiu até o século passado nos currículos escolares, era resquício dessa concepção, pois não tinha como objetivo apenas ensinar uma língua, mas também desenvolver as potências intelectuais da antiga grammatica. São justamente essas noções curriculares e pedagógicas que venho tentando restaurar nos meus cursos.
Acima de tudo, porém, eis o essencial: que, em cada etapa do processo, o objetivo maior esteja sempre presente. O que não leva à sabedoria, por prestigioso que pareça, é inútil; o que é inútil é perda de tempo. Qualquer disciplina, nas mãos de um educador imprudente, pode converter-se em idolatria de tecnicismos, e as artes do Trivium não estão protegidas dessa possibilidade. Só o amor pela sabedoria é verdadeiro amor, e só nele pode fundar-se a autêntica educação clássica.
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