Por Jonathan Thiago Legovski
INTERROGAÇÕES DE AGOSTINHO SOBRE A COMPREENSÃO DA
LINGUAGEM E SINAIS
Santo Agostinho, famoso Bispo de Hipona,
nasceu em 354 d.C. na cidade de Tagasta, que pertencia à uma província romana,
segundo indica Paul Strathern (1997). De uma infância atribulada naquilo que
diz respeito ao convívio e relacionamento com seu pai (Patrício), levou para a
juventude a imagem de um pai beberrão e de uma mãe (Mônica, santa) cuja
influência se revelaria de grande importância já na fase adulta de Agostinho.
Parte de sua educação se deu em
Cartago, financiada pelas economias que Patrício havia reunido ao longo do
tempo.
Em Confissões, Agostinho
relata seu caminho de conversão ao cristianismo, mostrando em sua autobiografia
os diversos momentos de sua vida, inicialmente marcada por atitudes devassas e
indignas (consideradas deste modo pelo próprio autor).
Morou em Milão e lá conheceu o Bispo
Ambrósio (santo) que era aclamado pela população e tido como grande
autoridade – talvez maior que a autoridade do Imperador (que ali residia, dado
o declínio do Império o cisma entre Oriente e Ocidente). Foi Ambrósio quem
demonstrou para Agostinho que o cristianismo exigia envergadura intelectual.
Santo Agostinho teve um filho,
chamado Adeodato, cujo nome servirá de personagem em sua obra.
Agostinho conheceu também as obras
de Plotino, o qual buscava compreender as palavras de Platão, sendo de tal
modo, considerado um neoplatônico. Essa influência interferiu diretamente nas
próprias concepções de Agostinho que, unindo o cristianismo ao neoplatonismo,
concedeu uma sólida base intelectual para a doutrina cristã, que visava
alcançar a Verdade como sumo bem.
Em 391 d.C. Agostinho visita Hipona,
onde conheceu o Bispo Valério, que o ordenou sacerdote e também o nomeou Bispo
Auxiliar (o direito eclesiástico vigente o titularia como Bispo Coadjutor,
ou seja, aquele que teria direito à sede plena [assumir de imediato os
trabalhos pastorais] quando ocorresse a morte daquele que ocupava a Cátedra
quando da sua nomeação).
Valério morreu em 392 d.C. e
Agostinho assumi a Cátedra Diocesana, tornando-se também, conforme o costume
então vigente, professor de teologia e juiz da cidade. Sua produção é invejável
e sua capacidade intelectual é comparada a Tomás de Aquino e outros filósofos
modernos.
Evidentemente, a biografia de
Agostinho mereceria grande atenção. Contudo, não é este nosso objetivo.
Cabe-nos considerar um detalhe, que sendo aparentemente simples, faz-nos
compreender a gênesis de o “De Magistro”: como Bispo, Agostinho era também
professor de teologia, e certamente esse encargo, unido a outras inquietações,
fez que com ele se interrogasse sobre a função da linguagem e eficiência ao
comunicar um objetivo específico. Nasce, portanto, um estudo baseado na
semiótica.
Semiótica:
qual seu objetivo?
O propósito das próximas linhas não
é apresentar detalhadamente a história da Semiótica ou levar o tema à
exaustão. Antes, de modo muito discreto, almeja-se tão somente expor os pontos
centrais da história desta ciência, para que desse modo, seja possível melhor
compreender Agostinho e sua teoria geral dos signos.
Segundo José David Campos Fernandes
(2005), a Semiótica é o estudo do funcionamento do sistema de signos, cujo
precursores foram Platão e Aristóteles (ainda que suas teorias fossem, em
parte, diferenciadas na essência).
No período pré-agostiniano, outros
debates sobre a Semiótica também tiveram especial atenção – mas por hora, não
falaremos destes, e só o mencionamos a título de informação.
Teoria
Geral dos Signos de Santo Agostinho
O que chamamos de Semiótica de Agostinho
encontra-se apresentado, principalmente, em três obras: um tratado de
juventude, Da Dialética, escrito em 387; o diálogo Do mestre (De magistro); e o
texto Da doutrina cristã (De doctrina christiana).
Agostinho escreve o “De Magistro” por
volta de 389 d.C., às portas da Idade Média, e sua obra exercerá grande
importância neste período. Nela, ele interroga-se sobre as relações entre
linguagem e aprendizado.
Segundo Kilian e Molina (2018):
No Do mestre ( IV,
9), Agostinho define o que entende por signum do seguinte modo: “em
geral chamamos sinais (signa) a tudo o que significa algo, e entre estes
encontramos também as palavras”. Afirma também que toda “palavra é sinal, mas
nem todo sinal é palavra”, tendo como exemplo de sinais não verbais as
bandeiras militares e os sons das trombetas.
Agostinho pensa os sinais não como o fruto
de uma convenção ou acordo social, mas como o resultado de uma real intenção de
comunicar. Para tanto, ele faz referência ao fato de que muitos animais podem
produzir esse tipo de sinais sem que formem uma sociedade complexa.
Em o “De Magistro”, Agostinho se ocupa da
origem do conhecimento e do que pode ser aprendido e ensinado.
Por
isso, Kilian e Molina (2018) afirmam que:
No Do mestre, Agostinho
compara a expressividade da linguagem verbal com a de outros sistemas
semióticos tais como a linguagem gestual dos surdos e as pantomimas dos atores.
Pareceria que esses sistemas têm o mesmo poder de expressividade que a
linguagem verbal, uma vez que por meio de gestos não apenas as coisas visíveis,
mas ainda os sons e os sabores podem ser expressos (AGOSTINHO, 1987, III, 5).
Para compreender essa informação, é
preciso conhecer a natureza da linguagem verbal. Uma análise superficial
estabeleceria que cada palavra indicaria uma coisa. Então existem palavras cujo
significado pode ser dado apontando ao objeto que elas indicam (esse é o caso
de “parede”), existem palavras cujo significado só pode ser dado por meio do
significado de outras palavras e finalmente há palavras que sabemos que
significam, mas são tais que não podemos explicar por que elas significam
(AGOSTINHO, II,4).
Agostinho conclui que aprendemos o valor da
palavra, ou seja, o significado que está escondido no som através do conhecimento
ou da própria percepção da coisa significada; mas não a própria coisa através do
significado (AGOSTINHO, X, 34).
No entanto, há uma diferença clara entre
“nome” e “palavra”. Tudo o que é um nome é uma palavra, mas não toda palavra
pode ser considerada um nome.
Compreender essas relações, influirão
diretamente no processo de aprendizagem segundo Agostinho, cujo tema será o
escopo das próximas linhas.
O
processo de aprendizagem segundo Santo Agostinho
Agostinho contribui para o reconhecimento
de que, paralelamente à exposição dos conteúdos, o aluno (discípulo) necessita
ser orientado a fim de poder relacionar esse conhecimento a uma realidade
maior, a qual se torna indispensável à formação de valores que defendem a
verdade.
O ideal educacional de Agostinho está
intimamente ligado ao conteúdo da fé cristã, associada com a busca pela verdade
num contínuo processo de formação que jamais se finda. De tal modo, Agostinho
descreve sobre a transmissão dos signos por parte do mestre exterior, e a
capacidade de recepção e interpretação do discípulo (mestre interior).
Para Agostinho, é através das
interrogações que se ensina. O autor nos dirá que, que quando falamos temos o
intuito de ensinar ou relembrar algo aos outros ou a nós mesmos, visto que, as
palavras são sinais os quais são utilizadas como meios para o ensino e a
educação.
Porém, as palavras trazem a mente às
coisas de que são sinais. Por isso, exortam a procurar as coisas, sem,
entretanto, poder mostrá-las, pois as palavras não mostram as coisas.
Neste processo, encontramos a figura do
mestre exterior (aquele que ensina), que somente admoesta, desafia e desperta o
desejo de conhecer no discípulo; quem ensina é o mestre interior (aquele que
deseja aprender). Por isso, a verdade não pode ser transmitida, pois somente o mestre
interior pode ensiná-la.
Nilton Gonçalves (2006) nos dirá que:
Na teoria
agostiniana, o mestre exterior apenas desperta o interesse e o desejo no
discípulo para que ele possa buscar o conhecimento. Mas para isso, o aluno deve
ser verdadeiro e sincero consigo mesmo. Ele deve ter a plena consciência do seu
conhecimento e do seu aprendizado. O discípulo deve estar munido de plena
vontade para aprender. Ele deve querer ser educado e educar-se, aperfeiçoar-se
e abrir-se para o seu Mestre interior; é preciso que ele esteja aberto para uma
auto-avaliação, isto é, para uma autocrítica. O discípulo precisa adquirir o
hábito de educar a si próprio, do contrário, nunca haverá uma autêntica e
verdadeira educação. Em contrapartida, o mestre também tem que ser sincero
consigo mesmo, ele não tem que ensinar o que é falso, pois ele deve usar as
palavras para exortar o seu aprendiz e apontá-lo na direção da verdade. Para
santo Agostinho, o ensino tem três funções: comunicar o que se pensa,
transmitir a experiência direta das coisas e comunicar o que é verdadeiro. Esta
é a função do mestre.
A capacidade de se interrogar sobre a
eficácia daquilo que é transmitido e de instigar o conhecimento, é hoje, tão
atual quanto fora para Agostino de Hipona.
O
pensamento agostiniano e o atual cenário da filosofia da educação
O aluno deveria sentir-se estimulado pelo
professor, e através das interrogações, buscar o conhecimento. O que se espera
do educador não é a manifestação puramente técnica de conhecimento, mas ações
de quem sabe se fazer compreender enquanto ensina.
O papel humanizador da cultura e da
educação devem ser reafirmados, e de modo inerente, formar cidadãos capazes de
compreendam o significado da democracia e da autoridade para que estabeleçam
relações de reciprocidade e respeito.
Se para Agostinho, o mestre exterior
apenas instiga o mestre interior, ao comparar com o cenário atual da educação,
podemos ressaltar a figura do mediador que guia o aluno, possibilitando que o
próprio aluno venha a ser o protagonista de seu aprendizado.
REFERÊNCIAS
AGOSTINO,
Santo. De magistro (Do mestre). Tradução de Angelo Ricci. São Paulo:
Abril
Cultural,
1987.
FERNANDES,
José David Campos. Introdução à Semiótica. 2005. Disponível em:
<http://www.cchla.ufpb.br/clv/images/docs/modulos/p8/p8_4.pdf>. Acesso
em: 26 jun. 2019.
GONÇALVES,
Nilton. A Teoria Educacional de Santo Agostinho. 2006. Disponível em:
<https://www.satovi.org/past-educativa/teoria-educacional-santo-agostinho>.
Acesso em: 27 jun. 2019.
KILIAN,
Carina; MOLINA, Jorge Alberto. Observações sobre a semiótica de Santo
Agostinho. Sapere Aude, Belo Horizonte, v. 18, n. 9, p.425-442, jun. 2018.
Semestreal. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/SapereAude/article/view/14574/14174>.
Acesso em: 27 jun. 2019.
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