A formação do homem justo para habitar a cidade ideal segundo Platão


Por Jonathan Thiago Legovski

A FORMAÇÃO DO HOMEM JUSTO PARA HABITAR A CIDADE IDEAL SEGUNDO PLATÃO

Platão nasceu em Atenas e “morreu no primeiro ano da centésima oitava Olimpíada, no décimo terceiro ano do reinado de Filipe da Macedônia – 347 a.C. pela contagem contemporânea – e foi enterrado na Academia”. (BENSON, 2011, p. 17)
Parte da formação de Platão se dá ao lado de Sócrates, que era tido como bem-sucedido em campanhas militares, e que por suas reflexões relacionadas aos valores humanos, chamava a atenção da sociedade ateniense - fontes indicam que Platão conheceu Sócrates ainda na adolescência.
Após a execução de Sócrates, motivada por diversas acusações feitas pelo Conselho Democrático dos Quinhentos, Platão realizou viagens nas quais buscou implantar de forma prática, a sua teoria política-filosófica e fundou a Academia, onde dedicou-se ao ensino.
Naturalmente, de acordo com as tradições de sua época, esperava-se de Platão o envolvimento com a vida pública.
O esboço do projeto político-filosófico de Platão teve origem, antes de tudo, nas decepções do filósofo com os modelos de governo baseados na democracia e nas ações dos governantes de seu tempo. O ponto culminante foi a condenação e morte de Sócrates. Nesse contexto, nasce o diálogo “A República”, obra na qual Platão de Atenas interroga-se sobre a edificação da cidade ideal.
Platão aspirava construir uma República - cidade ideal - organizada segundo as leis da justiça e da harmonia; cidade na qual cada habitante deveria preencher uma função precisa e específica, onde o governo deveria ser entregue aos sábios (philósophos) de modo que a vida pública e privada fossem norteadas pela filosofia.
Sobre sua teoria, Platão, através de Sócrates, diz à Gláucon (República, Livro V, 473 d):
Se os filósofos não forem reis nas cidades ou se os que hoje são chamados reis e soberanos não forem filósofos genuínos e capazes e se, numa mesma pessoa, não coincidirem poder político e filosofia e não for barrada agora, sob coerção, a caminhada das diversas naturezas que, em separado, buscam uma dessas duas metas, não é possível, caro Gláucon, que haja para as cidades uma trégua de males e, penso, nem para o gênero humano.

Para alcançar seu ideal, Platão compreende que antes se faz necessário uma sólida formação para o advento da sociedade justa. Por isso, em “A República”, dedica um capítulo (Livro III) no qual esboça a base curricular para educar os responsáveis pela cidade.
Entre as classes existentes, em sua época, que garantem o bom funcionamento da cidade (a saber: os trabalhadores, guardiões e governantes), Platão olha de maneira particular para a educação dos guardiões, cuja missão é defender a cidade das ameaças e da tirania (sendo esta, o resultado do desequilíbrio da alma pela ausência de virtudes), mantendo acesa a chama da justiça.
Evidentemente, para Platão, educação não significava tão somente o aprendizado de certas técnicas comuns em sua época, como faz-nos perceber Benson (2011):

A educação mais refinada em Atenas [...] era dominada por sofistas, residentes estrangeiros que obtiveram fama e riqueza professando técnicas de persuasão e exposição, platitudes revestidas de alto estilo retórico, o tipo de habilidade que poderia ajudar os jovens a se tornarem excelentes qua exitosos na vida pública por falar com eficácia na Assembleia ateniense (ekklêsia) e nos tribunais. Mesmo os mais respeitados dentre eles [...] são representados, contudo, como tendo ofício pífio ao transferir qualquer excelência que tivessem, pois seus estudantes parecem sempre ter dificuldades em reter e defender o que seus professores professam.

Paideia: a formação ideal

O ideal educacional de Platão pode ser compreendido por meio da Paideia, que segundo Jaeger (2001) é definida pelo próprio Platão como a essência de toda a verdadeira educação, que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito, desejando o equilíbrio do corpo e da alma, tendo a justiça como fundamento, almejando aquilo que é bom e belo (forjando a nobreza da alma).
Se por um lado, Platão, inspirado na Paideia, considera a educação dos guardiões adequada para formar bons cidadãos, por outro é preciso elucidar quais os aspectos que moldarão o currículo cujo escopo é o nascimento do cidadão justo.
Em um guardião, nos dirá Platão, é necessário antes de tudo, incitar-lhe coragem (capacidade da alma em manter-se na verdade), para que possa ser forte e eficaz em sua função, fugindo deste modo, das lamentações sobre as mais diversas contrariedades.
Os guardiões, deverão ainda, segundo o autor, afastar-se de todo tipo de mentira, fortificando o domínio próprio, com a finalidade de garantir moderada conduta (exercício da força física) e respeito (equilíbrio garantido pelas virtudes) com os demais cidadãos, educando a vontade e a liberdade do corpo e da mente.
Segundo Platão, o corpo terá a adequada educação garantida por meio da literatura e da ginástica; a primeira deverá desenvolver força física (naturalmente), mas principalmente a força moral; a segunda, garantir-lhes a percepção da verdade, fazendo com que almejem alcançá-la.

A Literatura

Há que se destacar agora, a função da literatura, que já tendo sido mencionada anteriormente, está inclusa na teoria curricular de Platão, e que segundo o próprio autor, deve ser ensinada antes da ginástica.
Por meio da poesia e da música, o autor busca estimular o aprendizado dos melhores ensinamentos dessas categorias de arte. É importante ressaltar, segundo Fernando Maurício Silva (2017), que:
[...] “música” entre os gregos designava toda forma de arte sonora, incluindo o canto, a literatura, a poética, e toda forma de “letras” que guardavam seu caráter harmônico, conforme o Livro III da República.

 Platão procura a “matéria perfeita” da poesia, das fábulas e mitos (falsas histórias, mas que possuem alguma verdade que possa ser ensinada).
Joel Gracioso (2018), dirá que o pensamento mítico falava sobre a interferência dos deuses nos assuntos humanos, atuando diretamente ou criando situações; a capacidade de transformação dos deuses, seus poderes e sua relação com a natureza etc.
Deste modo, ao utilizar-se delas para contar sobre os deuses e heróis, explicitando seu comportamento virtuoso, “não produzam na juventude uma forte predisposição para os atos maus”. Por esse motivo, a literatura deverá ser vigiada pelos governantes philósophos tendo em vista a proteção da juventude para que não se corrompa diante dos exemplos reprováveis.
O autor evidencia ainda que há diferentes tipos de relatos poéticos, sendo eles:  modo direto, onde o narrador não se confunde com o personagem; modo representativo, onde o narrador produz está tornando seu próprio estilo o mais semelhante possível daquele da pessoa a quem concede a palavra” (PLATÃO, pag. 147); e a terceira maneira é quando se imita certas coisas e não outras.
O Mito da Caverna, por exemplo, torna-se em partes, uma ilustração da teoria platônica sobre a educação: a vontade incentivada pela curiosidade, liberta o prisioneiro para que conheça a luz da razão, ao invés de contentar-se somente com as sombras projetadas por essa luz. Trata-se de um convite para refletir sobre o mundo superior (ideias) e o mundo inferior (realidade).

A Ginástica

Voltemos nossa atenção para os conceitos de ginástica segundo as concepções de Platão.
É a alma boa que torna o corpo bom, e por isso, a ginástica está associada antes à vontade da alma que a saúde do corpo, e que por isso, todo ensino é destinado para a alma.
De acordo com Carolina Araújo (2017), “há dois conceitos de ginástica envolvidos na proposta educativa da República de Platão: a ginástica da temperança e a ginástica para a coragem”.
A ginástica da temperança, segundo Platão, é uma autoeducação, “um domínio que se exerce sobre certos prazeres e paixões”. Ela depende da educação pela poesia (literatura).
Segundo Carolina Araújo (2017), “a ginástica para a coragem é uma prática [...] dos guardiões e consiste em treinamento atlético. Ela visa o fortalecimento [...] para o regime de resistência que lhes é demandado ao longo de toda a vida”.
Naturalmente, literatura e ginástica não podem ser compreendidas como duas ações separadas para alcançar, individualmente, um mesmo objetivo, mas antes, uma força conjunta que caminha para o sumo bem. Por isso, Fernando Mauricio Silva (2017), analisando o Livro III de “A República” de Platão, dirá que:
Portanto, é o ânimo que é educado pela ginástica, não o corpo. A música e a ginástica são duas artes dadas não ao corpo e a alma, mas às duas faces da alma, corajosa e filosófica, a fim de se harmonizarem. Com isso, a investigação não chegou à harmonia entre corpo e alma, mas a alma harmônica em suas partes. Não se trata de buscar a harmonia entre corpo são e alma lúcida, mas a harmonia entre as partes da alma. A música e a ginástica são, portanto, as duas artes concedidas pela divindade para exercitarem as duas faces da alma que lhes correspondem, a corajosa e a filosófica.

A atualidade da essência de um projeto que perpassa milênios

Considerando que as colocações de Platão sobre a educação, se dão em um conjunto de teses políticas, nota-se que o autor vê a infância com intencionalidade política – haja visto que a criança, tão em breve, será um adulto que deverá ocupar seu lugar na pólis e por isso sua perfeita educação deverá garantir a harmonia da vida social.
A teoria da educação de Platão avança em direção da harmonia social, e por isso seus anseios são ainda atuais, pese que cada indivíduo deveria fazer o uso adequado de suas capacidades (disposições) de tal modo que possam colocá-las a serviço dos demais.
De acordo com Dalbosco (2017), é papel da educação descobrir tais disposições e formá-las progressivamente para o uso social. Há, por tanto, em Platão, uma estreita ligação entre educação e sociedade.
Platão oferece, ao seu modo e considerando (evidentemente) as necessidades de sua época, concepções para pensar a educação como um fenômeno eminentemente social, que implicará não só na vida do indivíduo, mas toda a sociedade onde ele habita.
Em última análise, utilizando-se das palavras de Santo Agostinho (mesmo que não escritas para essa finalidade) em As confissões, Platão continua a ser uma beleza tão antiga e tão nova, levando-nos ao exercício da reflexão sobre a realidade social na qual habitamos e seus efeitos.

REFERÊNCIA

ARAÚJO, Carolina. A função educativa da ginástica na República de Platão. Filosofia e Educação, Campinas, v. 9, n. 1, p.131-164, fev. 2017. Semestral.

BENSON, Hugh H.. Platão. São Paulo: Artmed, 2011. 438 p.

DALBOSCO, Claudio. O ideal platônico de educação. 2017. Disponível em: <http://rdplanalto.com/noticias/23625/o-ideal-platonico-de-educacao>. Acesso em: 27 jun. 2019.

GRACIOSO, Joel. Mito e Filosofia na Grécia Antiga. 2018. Disponível em: <https://www.joelgracioso.com.br/mito-e-filosofia-na-grecia-antiga/>. Acesso em: 26 jun. 2019.

JAEGER, Werner Wilhelm, 1888-1961. Paideia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 4ª Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2001.

PLATÃO. A República: (ou: Sobre a Justiça. Gênero Político). 3. ed. Belém: Edufpa, 2000. 470 p. Tradução: Carlos Alberto Nunes.

SILVA, Fernando Mauricio da. A República de Platão: Uma introdução à Filosofia. Guarapuava: Apolodoro Virtual Edições, 2017. 288 p. Disponível em: <https://0201.nccdn.net/4_2/000/000/053/0e8/A-Rep--blica-de-Plat--o---uma-introdu----o----filosofia.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2019.

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